O PENSAMENTO POLÍTICO DE PLATÃO

Durante sua juventude, como foi comum entre os jovens atenienses abastados de sua geração, Platão cultivou a ideia de preparar-se para a vida política e ocupar cargos importantes no governo da cidade. A condenação de Sócrates, seu grande mestre e referencial, foi um fato marcante na sua vida e levou-o a uma profunda reflexão e a uma nova atitude com relação à política. Decepcionado com a democracia ateniense, concluiu que “somente à luz da verdadeira filosofia se pode reconhecer onde está a justiça na vida pública e na vida privada.” Para ele, somente reis- filósofos, eternos amantes da verdade, teriam condições de atingir o mais alto conhecimento do mundo das idéias, que “consiste na ideia do bem”.

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Já na sua maturidade, Platão expôs na República a sua concepção de governo numa sociedade idealizada por ele e que toma a cidade-estado de Esparta como modelo. Nela, existem três classes sociais: os governantes, os guerreiros e o povo. Este último segmento, formado por escravos, agricultores, artesões, médicos, arquitetos, comerciantes e outras profissões, produz toda a riqueza e o sustento da sociedade, mas está excluído da participação política. Aos guerreiros são negados quaisquer direitos relacionados com a vida privada. Sua educação, desde cedo, é conduzida pelo Estado de modo a prepará-los para garantir a segurança interna e externa da sociedade, sua única função.  Finalmente, a classe governante é constituída pelos filósofos, se ainda podemos chamá-los assim, recrutados entre os militares com mais de cinquenta anos. São eles, os detentores da verdade, que devem governar de maneira autoritária e ditar as leis que todos devem seguir, além de fiscalizar a vida de cada membro da sociedade.

Comparando a sociedade a um corpo, o filósofo afirma que as pernas servem para sustentá-lo (os trabalhadores), os braços para defendê-lo (os guerreiros) e o cérebro (os filósofos) para dirigi-lo. Platão localiza, ainda, na psique humana três seções correspondentes a divisão do Estado: a razão, a vontade e as paixões. Enquanto à razão, cabe formular as leis que devem reger os homens, cabe à vontade garantir que elas sejam executadas. As paixões, por sua vez devem simplesmente cumprir o que lhes foi determinado, ou seja, as paixões devem ser controladas pela razão. No mito da caverna, significativamente, a massa ignorante mata aquele que, saindo da escuridão e enxergando o mundo com a clareza que a luz lhe permitiu, tentou advertir os outros a respeito de sua ilusão. Por fim, é interessante lembrar que, nessa política e nessa psicologia platônicas, os artistas e deficientes, por exemplo, certamente estariam excluídos de sua sociedade “ideal”.

O IDEALISMO PLATÔNICO

Um aspecto fundamental do pensamento platônico é sua teoria das idéias, através da qual Platão procura explicar como se desenvolve o conhecimento humano. Segundo ele, o processo do conhecimento se desenvolve por meio da passagem progressiva do mundo das ilusões e das aparências para o mundo das idéias e das essências.

Numa primeira etapa, são as sensações ou impressões advindas dos nossos sentidos que formam a opinião que temos a respeito das coisas. É um saber que adquirimos sem uma busca metódica, através das nossas vivências, e que originam as crenças que nós temos a respeito do mundo. Mas o verdadeiro conhecimento só se adquire quando ultrapassamos a esfera das impressões sensoriais e penetramos na esfera racional da sabedoria, ou seja, no mundo das idéias. Nesse mundo é que encontramos os seres perfeitos; a verdade, a justiça e a beleza, mas nele só conseguimos entrar mediante um esforço racional, científico e filosófico.

A opinião nasce da percepção da aparência e da diversidade das coisas. A realidade sensível é um mundo de seres imperfeitos e incompletos, que estão sempre se transformando, como se fossem cópias defeituosas que procuram imitar sua forma ideal, perfeita e universal. Como Platão considerava a alma imortal, seguindo a tradição pitagórica, para ele, quando o homem apreende, está na verdade lembrando algo que sua alma já conhece. O “mito da caverna” é uma famosa alegoria usada por Platão para expor sua teoria das idéias.

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No Mito da Caverna Platão expõe de maneira metafórica a sua Teoria das Ideias. Platão descreve, num dos diálogos de Sócrates, uma situação que serve como ponto de partida para que ele desenvolva sua concepção epistemológica e, ao mesmo tempo, os fundamentos do seu pensamento político. No mito, aparecem homens acorrentados dentro de uma caverna que só conseguem enxergar as sombras projetadas na sua parede por uma fogueira acesa no seu interior. Eles confundiriam essas sombras com a realidade até que um deles, ao sair da caverna e se acostumar com a claridade do sol, percebe que o que eles enxergavam era somente uma ilusão. Muitas das sombras que apareciam na parede da caverna, diga-se de passagem, eram projetadas, intencionalmente, por indivíduos que estavam entre a fogueira e os homens acorrentados. Nessa passagem estaria implícita uma critica de Platão aos sofistas e demagogos que, naquela época, tinham tomado conta da política ateniense, distorcendo sua democracia. Ao regressar à caverna para alertar os outros homens sobre o seu engano e sobre o mundo verdadeiro que encontrariam fora da caverna, iluminado pelo sol (da razão) o homem esclarecido foi hostilizado e sua insistência inquieta de tal modo os demais que eles acabam por matá-lo.

 

PLATÃO: Vida e Obra

          PLATÃO (427-347 a.C.), cujo verdadeiro nome era Aristocles,  nasceu em Atenas e pertencia a uma das mais importantes famílias da aristocracia ateniense. Foi discípulo de Sócrates que seria para ele “o mais justo e o mais sábio dos homens”. Depois da morte do mestre  deixou a cidade e realizou várias viagens pelo norte da Africa e sul da Itália, o que ampliou enormemente seus conhecimentos e horizontes filosóficos. De volta a Atenas decidiu fundar uma escola nos arredores da cidade, conhecida como a Academia, que é considerada a primeira instituição de ensino superior do mundo ocidental. 

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          A Academia era mais que uma instituição dedicada às investigações científicas e filosóficas, pois pretendia ser, também, um centro de preparação para uma atuação política baseada na busca da verdade e da justiça. Além disso, o trabalho desenvolvido na academia não tinha como objetivo a manutenção ou a transmissão de conhecimentos supostamente prontos e definitivos. Pelo contrário, seus esforços consistiam num exercício constante para conhecer mais e melhor as coisas, uma investigação sempre aberta e insatisfeita numa busca permanente pela verdade. Mais que uma filosofia que se fecha em torno de dogmas ou verdades absolutas realiza um filosofar que se abre sempre para novas possibilidades. Essa concepção forneceu um modelo que embasou a evolução do pensamento filosófico até os os dias de hoje.

A filosofia de Platão é a primeira grande síntese do pensamento antigo. Nela estão organizadas e comparadas todas as idéias dos grandes filósofos que o antecederam. Desde as investigações dos primeiros pensadores sobre o princípio do mundo, passando pelas exigências lógicas do pensamento de Parmênides e o impasse sobre o movimento e a pluralidade na visão de Heráclito, até as questões sobre os valores humanos emergidas no debate entre Sócrates e os sofistas. O rigor da matemática pitagórica é, por sua vez,  a base do seu pensamente filosófico, garantindo certeza e exatidão dos resultados de uma investigação metódica e sistemática. No pórtico da Academia estava escrito: “Aqui não entre quem não sabe geometria.” A força  dessa síntese é  tal, que a filosofia ocidental irá, ao longo dos séculos, apenas desdobrar as grandes questões levantadas e sistematizadas pela obra platônica. E a influência dessa obra é tamanha, que não deixam de ter alguma razão os que dizem que todos nós somos discípulos de Platão.

A possibilidade de um conhecimento teórico que se autofundamente e afirme sua validade unicamente pela força de suas demonstrações é dada pelo método que Platão chama de dialética. Seu modelo são os diálogos socráticos, cujo encadeamento preciso de raciocínios acabava impossibilitando qualquer contestação. Por meio de afirmações, e objeções a elas, vai se realizando, aos poucos, uma síntese depurada pela crítica, que nos dá uma visão cada vez mais clara e uma argumentação cada vez mais sólida, até atingir uma  espécie de consenso,  pois as conclusões a que se chega são irrefutáveis e não permitem qualquer outra solução. Em suma, através do método dialético o conhecimento se eleva gradativamente do plano instável e relativo das opiniões para o plano mais seguro e consistente dos conceitos que nos aproximam da verdade.

Enquanto coordenava os estudos e pesquisas na Academia, Platão escrevia suas obras, conhecidas como Diálogos. É difícil distinguir neles o que são idéias de Sócrates e o que são idéias do próprio Platão. Escritos em belíssima prosa, situam o autor entre os maiores escritores de todos os tempos, pois neles Platão conseguiu, como nenhum outro pensador, colocar questões filosóficas com tamanha beleza literária. Entre eles destacam-se: Primeiro Alcebíades (sobre a natureza do homem), Apologia de Sócrates (sobre o julgamento de Sócrates), Mênon (sobre a possibilidade do ensino da virtude), Banquete (sobre o amor), Fédon (sobre a morte e sobre a natureza da alma), República (sobre a formação do filósofo e a cidade ideal), Sofista (sobre a definição de sofista e a distinção entre a verdade e o erro), Timeu (sobre a origem e a constituição do universo) e Leis (sobre questões políticas). Além disso, Platão expôs seus pensamentos em numerosas Cartas, das quais a mais significativa, em termos filosóficos é a número VII.

SÓCRATES: Um marco na História da Filosofia

SÓCRATES (470—399 a.C.) nasceu nas proximidades de Atenas e é considerado um verdadeiro marco na história da filosofia. Não deixou nada escrito e o que sabemos dele e de seu pensamento nos chegou através de seus discípulos e de outros filósofos. Sócrates, porém, nunca pretendeu elaborar uma doutrina ou coisa semelhante. O que esse pensador inquieto fazia era indagar sobre coisas diferentes e que eram, muitas vezes, embaraçosas. O que é a verdade? O que é a justiça? O que é o bem? E a coragem? E a beleza? E assim por diante.  Embora fosse familiarizado com as ciências e como os vários tipos de conhecimento, a ciência moral era, para ele, a mais nobre e importante de todas.

Embora não vendesse seus conhecimentos, tal como faziam os sofistas, Sócrates também direcionou suas reflexões para a problemática do homem e também se dirigia aos jovens nas praças e lugares públicos. Ensinava, porém, que era preciso aproximar a vida material da vida espiritual, unir a realidade concreta ao pensamento, vincular o saber ao fazer. Para ele, a consciência intelectual (razão) e a consciência prática (moral) deviam se tornar um só “eu consciente”. Sócrates acreditava, portanto, na existência de um bem e de uma verdade, que se deveria buscar através do esforço racional.

Nesse ponto, Sócrates discorda radicalmente dos sofistas, quanto ao seu relativismo moral ou sua disposição de usar a retórica para atingir interesses particulares. Queria descobrir o significado verdadeiro das coisas e não se contentava com as aparências ou conveniências. Buscava encontrar a essência do homem e acreditava que através da razão podemos chegar à verdade. Só que para isso, afirmava ele o homem dever buscar, antes de qualquer outro, o autoconhecimento. “Conhece-te a ti mesmo” costumava ensinar o grande sábio aos seus jovens discípulos.

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Sócrates utilizava como método, para desenvolver a sua filosofia, o chamado diálogo crítico com os interlocutores. Esse diálogo se dividia em dois momentos: a ironia (interrogação) e a maiêutica (trazer à luz). No primeiro momento o filósofo indagava as pessoas sobre aquilo que elas pensavam saber. Argumentando habilmente ele, aos poucos, ia desfazendo as certezas de seu oponente, mostrando as incoerências de suas afirmações.  Através da ironia, portanto, Sócrates demolia os preconceitos e a eventual presunção de seu opositor fazendo-o perceber a contradição daquilo que afirmava ou a limitação de suas idéias.

Mas Sócrates fazia isso com humildade e consciência da própria ignorância. “Só sei que nada sei” reconhecia o filósofo. Liberto do orgulho e da pretensão de que algo ou tudo sabia, seu interlocutor tinha, agora, a possibilidade de começar a construir suas próprias idéias e a formular suas concepções de maneira mais fundamentada e mais coerente. Nesse segundo momento, denominado de maiêutica, Sócrates ajudava seus discípulos propondo-lhes uma série de questionamentos que, metodicamente colocados, lhes permitiam conceber uma nova visão das coisas, purificada pela crítica. Isso acontecia, é claro, quando o interlocutor tinha a humildade e a sabedoria que é necessária quando se quer, realmente, aprender e conhecer as coisas.

Acusado de desrespeitar os deuses e corromper a juventude com suas idéias e comportamento, Sócrates foi levado A julgamento pelas autoridades atenienses. Foi condenado por um tribunal de cidadãos a abandonar a cidade ou beber cicuta (veneno). Enfrentou o julgamento altivo e imperturbável. Quando foi questionado, sobre como deveria ser tratado pelo tribunal, respondeu, ironicamente como sempre, que a cidade deveria alimentá-lo de graça, por ele ter-lhe prestado um serviço ao esclarecer os cidadãos.  “Estás enganado se pensas que um homem de bem deve ficar pensando, ao praticar seus atos, sobre as possibilidades de vida ou de morte. “O homem de valor moral deve considerar apenas, em seus atos, se eles são justos ou injustos, corajosos ou covardes” teria afirmado ele aos seus acusadores e discípulos. Viveu de acordo com sua consciência e morreu sem renunciar aos seus valores e idéias.

OS SOFISTAS

Em meados do século V a.C., a Grécia vivia seu momento de esplendor, especialmente depois da vitória dos gregos sobre os persas, numa guerra que se prolongou por mais de quatro décadas. Atenas estendeu sua influência sobre todo o mundo grego e transforma-se na “escola da Hélade”. O comércio e o artesanato trouxeram enorme prosperidade para a cidade que passou a atrair muitos sábios e artistas. Assentada numa base econômica escravista, na qual os chamados “instrumentos vocais” realizavam todo tipo de trabalho e eram responsáveis pela produção da riqueza, a democracia ateniense atingiu seu apogeu e serviu de modelo para muitas outras cidades-estado gregas, daquela época.

Libertos do trabalho produtivo direto, muitos atenienses que eram donos de escravos puderam se dedicar às atividades de caráter público ou do seu próprio interesse e prazer pessoal. A vida social se concentrava na “ágora”, espécie de praça no centro ou na periferia da cidadela, onde se fazia comércio ou se encontrava outros cidadãos para conversar. Os ginásios e os banhos públicos também eram locais apreciados pelos jovens e homens que tinham tempo e dinheiro para aproveitá-los. As festas, os jogos e as cerimônias religiosas eram momentos de civismo e de afirmação da identidade cultural dos gregos. Uma criação dos gregos, carregada de reflexão sobre a condição do homem no mundo, foi o teatro. As tragédias e comédias eram extremamente apreciadas por todas as camadas da população e os autores eram premiados e desfrutavam de muito prestigio.

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Os poucos cidadãos livres de Atenas podiam, então, se dedicar ao ócio, ao esporte, à guerra ou à política, ou seja, aos assuntos da “polis”. Foi neste contexto que surgiram os sofistas e, também, um pensador que seria um marco na história da filosofia: Sócrates. No século seguinte, a filosofia da Antiguidade alcançou seu ponto culminante no pensamento de Platão e Aristóteles. A obra produzida por esses dois grandes filósofos exercerá uma extraordinária influência na formação da civilização ocidental, fundamentando as suas concepções e instituições fundamentais.

Os primeiros filósofos haviam voltado seus esforços para uma compreensão racional dos fenômenos da natureza. Agora, numa nona fase, a filosofia começava a voltar-se para o próprio homem e para as questões da sociedade. Os sofistas foram sábios e professores que se instalaram em Atenas e vendiam ensinamentos práticos de filosofia, de acordo com os interesses de seus alunos. Preparavam seus discípulos para a participação nos assuntos públicos e negócios privados, ensinando eloquência, oratória, raciocínio lógico e técnica de argumentação. Procuravam dar ao conhecimento um caráter prático e útil para as pessoas resolverem seus problemas ou atingirem seus objetivos.

Isto levou os sofistas a uma concepção relativista das coisas, já que para eles, não existiria uma verdade absoluta. Tudo, segundo eles, é relativo à cada indivíduo, sociedade ou cultura em determinado momento histórico. As opiniões humanas são tantas e tão diversas, pensavam eles, que não poderiam ser reduzidas a uma única verdade. Suas idéias fundamentavam-se, portanto, numa visão bastante flexível do homem e da sociedade.

Filósofos como Platão criticaram os sofistas, acusando-os de serem impostores e manipuladores, capazes de iludir e enganar as pessoas com raciocínios aparentemente corretos, mas que, de fato, são falsos ou inconclusivos. Em outras palavras, o sofista seria um mero mercenário do conhecimento, mestre na arte de convencer ou persuadir as pessoas, sem qualquer compromisso ou preocupação com a verdade.

PROTÁGORAS DE ABDERA (480-410 a.C.), nascido no litoral da Trácia, mudou-se para Atenas onde ensinou durante muitos anos. É considerado o primeiro e, também, o mais importante dos sofistas. Sua doutrina tinha por princípio básico a idéia de que o homem é a medida de tudo o que existe. Todas as coisas seriam relativas às disposições do homem, isto é, o mundo é aquilo que o homem constrói e a realidade é o que ele compreende como tal. Além disso, cada povo e cada cultura têm uma moral própria e uma visão diferente do que é certo e do que é errado, do bem e do mal, do belo e do feio etc. Protágoras teria afirmado que “o homem é a medida de todas as coisas; daquelas que são, enquanto são e daquelas que não são, enquanto não são.”

GÓRGIAS DE LEONTINI (487-380 a.C.), discípulo de Protágoras, é considerado um dos  maiores oradores de sua época. Levou o subjetivismo relativista de seu mestre ao extremo, a ponto de defender um ceticismo absoluto. Górgias entendia que tudo no mundo é circunstancial e que, por isso, qualquer hipótese pode ser virtualmente defendida.  Afirmava que nada existia e, se existisse, não poderia ser conhecido ou comunicado. Górgias teria afirmado que “o bom orador é capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa.”

HERÁCLITO E PARMÊNIDES

O QUE É O SER?

      No início do século V a.C. , existiam no mundo grego dois pólos onde se desenvolviam as investigações filosóficas, sendo que o primeiro estava situado nas colônias gregas do litoral da Asia Menor, como Éfeso, herdeiro dos primeiros filósofos da escola jônica. Já o segundo se situava nas colônias gregas do sul da Itália, na chamada Magna Grécia, tendo a cidade de Eléia como principal centro de difusão. Apesar de terem como ponto de partida a mesma questão ontológica (a natureza e o fundamento do ser), ou seja, se existe um princípio que explique o mundo e a verdadeira natureza das coisas, essas duas correntes formularam duas concepções radicalmente antagônicas, que tomaram rumos completamente opostos, mas que influenciaram praticamente toda a história da filosofia. De uma lado, a concepção de Heráclito, baseada numa lógica dialética, afirma a impermanência do ser que se caracterizaria pela mobilidade e pluralidade. De outro, a concepção de Parmênides, baseada numa lógica formal , sustenta a imobilidade e a unidade do ser inaugurando a metafísica no âmbito da Filosofia.

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 HERÁCLITO DE ÉFESO (cerca de 500 a.C.) foi um homem chamado de obscuro por seus contemporâneos e não se conhece a data de seu nascimento ou de sua morte. Esse brilhante pensador concebeu o mundo como um fluxo incessante onde só o logos, que rege a inevitável transformação de todas as coisas, permanece inalterado. A impermanência das coisas é fruto de uma contradição, de uma oposição que existe em todas elas, e dessa tensão resulta a unidade do mundo. Segundo ele a harmonia do mundo nasce desse combate (“pai de todas as coisas, de todas rei”) e não de um equilíbrio de forças ou da justa medida imposta por um ente supremo como afirmaram outros filósofos. A divergência e a contradição não só produzem a unidade do mundo, mas também a sua transformação. O mundo (“que nenhum deus, nenhum homem o fez”) é um eterno fluir, um constante vir-a-ser, permanente transformação, chamada devir. Mas só se compreende esse movimento dialético da natureza, quando se deixa de lado a falsa sabedoria obtida pelos sentidos e pelas opiniões e chega-se ao logos, isto é o raciocínio correto. “Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um” diz um de seus aforismos, que sobreviveu ao tempo com mais alguns fragmentos que nos permitem ter uma vaga ideia do seu pensamento filosófico.

PARMÊNIDES DE ELÉIA (510-470 a.C.) foi o expoente do eleatismo, colocando a questão da exigência lógica do princípio da identidade e da não-contradição. De acordo com ele, o que “é” não pode ser , ao mesmo tempo, “não é”, ou seja, se uma coisa existe, ela é esta coisa e não pode ser outra, muito menos o seu contrário.  E a busca racional do “ser” revela um ser necessariamente uno, eterno, ilimitado e imutável. Evidentemente esse “ser  lógico” não é confirmado pelos sentidos. Mas isso é compreensível, pois os nossos sentidos nos enganam e não nos  levam a um conhecimento verdadeiro das coisas, como já haviam percebido os filósofos. Ao encarar as transformações na natureza como simples ilusão, opinião enganosa formada a partir da nossa experiência sensível, Parmênides inaugura a metafísica, ou seja, entende que por trás das aparências existiria uma essência que só poderia ser alcançada através do pensamento lógico (não-contraditório). A sabedoria, para ele, consiste em usar a razão para estabelecer uma ordem no caos que as aparências revelam aos nossos sentidos. A concepção de parmenidiana está exposta num belíssimo poema, uma das poucas obras dos filósofos pré-socráticos que chegaram até nós. Seu discípulo Zenão formulou o famoso “paradoxo da corrida entre Aquiles e a tartaruga”, onde demonstra através da força do raciocínio lógico, que o movimento é apenas uma ilusão dos sentidos.

 

  

OS PRÉ-SOCRÁTICOS (II)

A ESCOLA PLURALISTA

Enquanto os filósofos “milesianos” voltaram suas atenções para a physis, desenvolvendo uma atitude mais naturalista, que valoriza a experiência sensorial, uma outra corrente surgiu nas colônias gregas do sul da Itália, especialmente em Eléia. Sob a influência dos pitagóricos, os eleáticos formularam concepções mais abstratas e que inauguraram a metafísica no âmbito da Filosofia. Uma terceira tendência, chamada pluralista, substituiu a noção de um elemento único primordial pela ideia da combinação de vários elementos como origem das coisas do mundo natural. Entre esses pensadores “pluralistas” destacaram-se: Empédocles, Anaxágoras e Demócrito.

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EMPÉDOCLES DE AGRIGENTO (490-430 a.C) procurou conciliar as concepções conflitantes de Parmênides e Heráclito. Admitia a existência e permanência do ser afirmada pelo primeiro, mas buscava uma base racional para explicar o que captam nossos sentidos, como evidenciou o segundo. Defendia a existência de quatro elementos primordiais que constituem as raízes de todas as coisas percebidas: o fogo, a terra, a água e o ar. Esses elementos seriam movidos e misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos: o amor que atrai e harmoniza e o ódio que repulsa e desagrega.

ANAXÁGORAS DE CLAZÔMENAS (500-428 a.C.) nasceu na Jônia e foi o primeiro filósofo a viver em Atenas, onde chegou por volta de 485 a.C. Para Anaxágoras, tudo o que existe é composto por incontáveis elementos que estão arranjados nas mais diversas proporções. Alguns em abundância, outros em quantidade tão ínfima que nem sequer são perceptíveis. A pluralidade das coisas se explicaria, então, pelas infinitas combinações de todos os elementos. O movimento, por sua vez, seria explicado da seguinte maneira: no início, todas as coisas estavam juntas formando um todo indefinível, mas a força do nous (espírito, inteligência) colocou-as em movimento, separando-as e formando diversas combinações entre elas.

DEMÓCRITO DE ABDERA (460-370 a.C.) é indevidamente citado entre os filósofos pré-socráticos embora tenha nascido e morrido depois desses pensadores. A tradição filosófica costuma situa-lo desta maneira por ser ele o ponto culminante de uma linha de investigação que se iniciou com os milésios. Demócrito formulou a teoria atomista da matéria que outros preferem atribuir a LEUCIPO, um pensador brilhante que foi seu mestre. De acordo com essa concepção que exerceu óbvia influência no desenvolvimento do pensamento científico, todas as coisas que formam a realidade são constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. O átomo seria o “ser permanente” de Parmênides, cercado pelo vácuo que seria a ausência de ser ( ou não-ser). O vácuo permitiria o movimento do átomo que pode se combinar de infinitas maneiras. Existiriam basicamente três fatores que explicam as diferentes composições dos átomos: a figura (forma geométrica), a ordem (sequência espacial) e posição (localização espacial). A aproximação ou repulsão de determinados átomos seria resultado do acaso (encadeamento imprevisível das causas) ou da necessidade (encadeamento previsível e determinado). Essas premissas levaram os atomistas à uma concepção mecanicista do mundo, onde nada nasce do nada e nada retorna ao nada.

OS PRÉ-SOCRÁTICOS (I)

OS FILÓSOFOS DA NATUREZA

 A filosofia surge do espanto, ou thauma, que toma conta do homem diante dos fenômenos que, todos os dias, a natureza apresenta. O que é a natureza? Como surgiram as coisas e porque elas se transformam? Existe uma ordem na natureza ou ela é um caos sem nexo? Para os gregos, a palavra physis se refere à natureza como uma realidade que se encontra em constante movimento e transformação. É uma expressão que significa gênese, origem e manifestação do mundo ao mesmo tempo. Os primeiros filósofos surgiram nas colônias gregas da Jônia, região situada no litoral ocidental da Ásia Menor. O ponto de partida de suas reflexões foi, certamente, a constatação de que existe uma permanente transformação na natureza, e a intuição básica de que todas as coisas são uma só coisa ou princípio fundamental. A arché seria não só a substância primordial a partir da qual tudo se originou, mas a essência que a todo instante é  a coisa fundamental e irredutível que constitui todos os seres. Desses primeiros pensadores e de suas idéias nos chegaram apenas alguns fragmentos e relatos feitos por outros filósofos, especialmente Aristóteles. Entre os chamados “filósofos da natureza”, como eles são conhecidos, destacam-se: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.

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TALES DE MILETO (640-562 a.C.) é considerado, pela tradição clássica, o primeiro filósofo. Se por um lado forneceu o estereótipo do filósofo distraído, mergulhado em suas reflexões, por outro conta-se que prosperou como comerciante graças à sua habilidade e argúcia. Tornou-se célebre por suas especulações e descobertas na matemática, mas em sua época já era famoso por ter previsto um eclipso do sol (585a.C.). Para Tales tudo se origina na água. A physis teria como único princípio esse elemento natural que está presente em tudo. Segundo ele, a água ao se resfriar torna-se densa e dá origem à terra. Ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando novamente resfriados. Desse ciclo nasceriam, por sua vez, as diversas formas de vida vegetal e animal.

 ANAXIMANDRO DE MILETO (610-547 a.C.) acreditava que não era possível, dentre tantos elementos presentes na natureza, apontar uma única substância material como princípio primordial de todos os seres. Para Anaximandro esse princípio é algo que transcende os limites do observável, ou seja, não está ao alcance dos nossos sentidos. Por isso ele o denominou ápeiron, ou seja, o indeterminado ou infinito, que seria a matéria geradora de todas as coisas.

ANAXÍMENES DE MILETO (588-524 a.C.), tentando conciliar as concepções anteriores,  afirmou que a substância primordial que originava todas as coisas é o ar. Apesar de ser um elemento invisível e imponderável, o ar é observável e pode-se percebê-lo como a força vital que anima o mundo. O fogo seria o ar rarefeito e a água e a terra seriam formas condensadas do ar. Tudo que existe representa uma variação quantitativa desse único elemento.

PITÁGORAS DE SAMOS (570-490 a.C. aproximadamente) foi perseguido em sua cidade natal e por isso, teria se instalado em Crotona no sul da Itália onde fundou uma influente corrente filosófica, verdadeira seita religiosa. Os pitagóricos representam um marco decisivo no desenvolvimento do pensamento racional ao introduzirem um aspecto mais formal, caracterizado pela ordem e regularidade, na explicação da realidade. Para Pitágoras, a essência de todas as coisas reside nos números. É preciso lembrar que até Platão, se entendia que qualquer coisa que existe (e os números “existem”) existe de alguma forma corpórea. Assim, a arché teria uma estrutura matemática da qual derivariam questões como finito e infinito, par e ímpar, reta e curva, masculino e feminino, bem e mal, etc. A harmonia entre esses princípios opostos mas complementares existe quando há uma medida justa, exata de cada um. A falta dessa harmonia causa desordem no mundo, tanto no seu aspecto biológico como no plano moral e político. O pitagorismo desenvolveu, também, a crença na imortalidade da alma e na reencarnação. Esse desprezo e desconfiança com relação ao corpo sensível, que seria a prisão da alma, e a ênfase no espiritual e inteligível, exerceriam forte influência sobre a evolução do pensamento.

 

 

 

 

O SURGIMENTO DA FILOSOFIA CONDIÇÕES HISTÓRICAS

O nascimento da filosofia, na passagem do século VII para o século VI a.C., é fruto de um contexto histórico em que se combinaram diversos elementos econômicos, sociais, políticos e culturais que resultaram, por sua vez, das transformações que o mundo grego viveu naquela época. Através do comércio e da navegação os gregos encontraram outros povos, costumes e conhecimentos e perceberam que os lugares por eles descobertos eram habitados por homens comuns e não por seres lendários. Isso produziu um “desencantamento” do mundo e relativizou a crença dos gregos em seus mitos. A atividade mercantil e a invenção da moeda contribuíram, também, para o desenvolvimento de um pensamento abstrato e da lógica matemática. Além do mais, a emergência de uma nova camada social, ligada ao comércio e ao artesanato, desligada da tradicional aristocracia, por quem e para quem os mitos foram, de certo modo, criados trazia uma nova visão do mundo e das relações entre os homens.

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A utilização de um sistema de escrita simplificado, a escrita alfabética e fonética, também comprova (e certamente deve ter contribuído para desenvolver ainda mais) a capacidade de abstração e generalização do pensamento. Essa disposição para o pensamento abstrato, inerente a esse tipo de linguagem escrita, está em contraste com as escritas ideográficas do oriente, que utilizavam milhares de sinais para representarem a imagem da coisa que estava sendo dita. E mais, essa escrita passa a ser acessível a qualquer um, diferente do conhecimento mantido em segredo por uma reduzida casta de sacerdotes ou de escribas, que em outras civilizações praticamente monopolizavam o conhecimento e as formas simbólicas de transmiti-lo. Isso significa que a possibilidade de registrar e transmitir conhecimentos, informações e ideias também teve um enorme impulso, desde então.

A riqueza e o ócio gerados pelo trabalho escravo nas terras, no artesanato e demais atividades urbanas se combinou, por sua vez, com novas formas de decidir sobre a vida e os destinos da comunidade. Com o surgimento da pólis, e em especial quando esta evoluiu para um regime democrático, a praça central, a ágora, passou a ser não apenas local de trocas mercantis, mas também local de encontro, diálogo, discussão. Na Assembléia (Eclésia), a decisão sobre os assuntos públicos passa a depender da força da palavra e da capacidade de persuasão dos oradores e não da sua origem ou condição social. É preciso lembrar que a democracia grega, apesar de ser muito restrita, pois excluía as mulheres, os estrangeiros e os escravos, era algo extraordinariamente avançado para os padrões daquela época, em que governavam reis e imperadores considerados como verdadeiros deuses ou seus representantes.

Essa mudança no exercício do poder, entretanto, foi fundamental para o desenvolvimento do pensamento humano, pois é preciso, agora, em pé de igualdade, valer-se do raciocínio e da clareza na exposição de suas idéias para poder convencer os outros. Essa nova forma de raciocinar, falar, debater não se limitou, porém, à vida política e passou a ser o critério cada vez mais importante para pensar qualquer coisa relacionada com a realidade natural e humana. Foi quando passou a se afirmar, gradativamente, a utilização do logos (a razão) para resolver os problemas da vida, para regular a relação dos homens entre si e para compreender a natureza e o universo.