HERÁCLITO E PARMÊNIDES

O QUE É O SER?

      No início do século V a.C. , existiam no mundo grego dois pólos onde se desenvolviam as investigações filosóficas, sendo que o primeiro estava situado nas colônias gregas do litoral da Asia Menor, como Éfeso, herdeiro dos primeiros filósofos da escola jônica. Já o segundo se situava nas colônias gregas do sul da Itália, na chamada Magna Grécia, tendo a cidade de Eléia como principal centro de difusão. Apesar de terem como ponto de partida a mesma questão ontológica (a natureza e o fundamento do ser), ou seja, se existe um princípio que explique o mundo e a verdadeira natureza das coisas, essas duas correntes formularam duas concepções radicalmente antagônicas, que tomaram rumos completamente opostos, mas que influenciaram praticamente toda a história da filosofia. De uma lado, a concepção de Heráclito, baseada numa lógica dialética, afirma a impermanência do ser que se caracterizaria pela mobilidade e pluralidade. De outro, a concepção de Parmênides, baseada numa lógica formal , sustenta a imobilidade e a unidade do ser inaugurando a metafísica no âmbito da Filosofia.

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 HERÁCLITO DE ÉFESO (cerca de 500 a.C.) foi um homem chamado de obscuro por seus contemporâneos e não se conhece a data de seu nascimento ou de sua morte. Esse brilhante pensador concebeu o mundo como um fluxo incessante onde só o logos, que rege a inevitável transformação de todas as coisas, permanece inalterado. A impermanência das coisas é fruto de uma contradição, de uma oposição que existe em todas elas, e dessa tensão resulta a unidade do mundo. Segundo ele a harmonia do mundo nasce desse combate (“pai de todas as coisas, de todas rei”) e não de um equilíbrio de forças ou da justa medida imposta por um ente supremo como afirmaram outros filósofos. A divergência e a contradição não só produzem a unidade do mundo, mas também a sua transformação. O mundo (“que nenhum deus, nenhum homem o fez”) é um eterno fluir, um constante vir-a-ser, permanente transformação, chamada devir. Mas só se compreende esse movimento dialético da natureza, quando se deixa de lado a falsa sabedoria obtida pelos sentidos e pelas opiniões e chega-se ao logos, isto é o raciocínio correto. “Não de mim, mas do logos tendo ouvido é sábio homologar tudo é um” diz um de seus aforismos, que sobreviveu ao tempo com mais alguns fragmentos que nos permitem ter uma vaga ideia do seu pensamento filosófico.

PARMÊNIDES DE ELÉIA (510-470 a.C.) foi o expoente do eleatismo, colocando a questão da exigência lógica do princípio da identidade e da não-contradição. De acordo com ele, o que “é” não pode ser , ao mesmo tempo, “não é”, ou seja, se uma coisa existe, ela é esta coisa e não pode ser outra, muito menos o seu contrário.  E a busca racional do “ser” revela um ser necessariamente uno, eterno, ilimitado e imutável. Evidentemente esse “ser  lógico” não é confirmado pelos sentidos. Mas isso é compreensível, pois os nossos sentidos nos enganam e não nos  levam a um conhecimento verdadeiro das coisas, como já haviam percebido os filósofos. Ao encarar as transformações na natureza como simples ilusão, opinião enganosa formada a partir da nossa experiência sensível, Parmênides inaugura a metafísica, ou seja, entende que por trás das aparências existiria uma essência que só poderia ser alcançada através do pensamento lógico (não-contraditório). A sabedoria, para ele, consiste em usar a razão para estabelecer uma ordem no caos que as aparências revelam aos nossos sentidos. A concepção de parmenidiana está exposta num belíssimo poema, uma das poucas obras dos filósofos pré-socráticos que chegaram até nós. Seu discípulo Zenão formulou o famoso “paradoxo da corrida entre Aquiles e a tartaruga”, onde demonstra através da força do raciocínio lógico, que o movimento é apenas uma ilusão dos sentidos.